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segunda-feira, 20 de junho de 2011

"Mocinho vendia os valores americanos"

John Wayne em cena do filme Areias de Iwo Jima

Jornal do Commercio, Recife, 26 de maio de 2007.
Escrito por Fernando Monteiro

Os heróis do cinema são diferentes dos heróis da literatura e de outras narrativas cujos personagens não se confundem com alguém de carne e osso, durante hora e meia de puro fascínio (dependendo da boa mão de roteiristas e diretores, é claro).
Bronco Billy, quase caricato, William S.Hart – cara quadrada e amarrada, caubói taciturno - , Ken Maynard, Tom Mix (chapelão ridículo, acrobata sobre cavalos) e o grisalho Hopalong Cassidy foram alguns dos heróis que vieram antes de Cooper e Wayne, ainda na fase muda, com alguns passando para o cinema sonoro... e, neste, se apagando como estrelas cadentes do Oeste.
Gary Cooper surgiu um pouco antes de John Wayne, e talvez permanecesse o “N°1” enquanto um câncer não lhe foi minando as forças de Montana, e tornando difícil, para ele, enfrentar as durezas da filmagem de um western.
Cooper faleceu em 1961, e, a partir de então, só restou uma unanimidade capaz de ser um nome-gênero (“Filmes de JW”) assumindo o ator – com o seu estilo bem diverso das hesitações e tibiezas de Cooper – a persona que ele desenvolveu, dentro e fora dos westerns, em filmes como Depois do Vendaval, Um fio de Esperança e Hatari!
Calçado com botas texanas ou enfiado numa farda de oficial americano em luta contra o eterno “inimigo” (do qual, parece, sempre necessita o Tio Sam – talvez para comprovar uma viriliadade algo alquebrada), o homem que hoje faria cem anos veio representar o melhor e o pior do cinema que ainda nos faz “madrugar” para assistir à quase “matuta” entrega do Oscar (que Wayne também ganhou, pela sua soberba criação de Rooster Cogburn, o personagem inesquecível de um dos melhores faroestes de mestre Henry Hathaway: The Grit/Bravura Indômita, de 1969).
Seu nome de batismo era Marion Michael Morrison e esse improvável “Marion” havia nascido em 26 de maio de 1907, filho de um farmacêutico e de uma dona de casa tipicamente americana, elogiada pelas boas tortas de maçãs  pelos poucos neurônios. Seu filho campeão de futebol americano nunca gostou de ser “Marion” e viria a mudar o nome para John Wayne, fácil de decorar – quando os aplausos dos estádios o motivaram a tentar a sorte nos estúdios de cinema, com seu 1,92 metro de altura, para impressionar logo de cara. E, por falar em caras, a dele tinha aquela confiança (burra?) no futuro protegido por uma estátua da Liberdade de braço levantado alto demais acima das cabeças dos emigrantes – para quem aquela senhora de pedra talvez gostasse de apagar, aqui e ali, a sua tocha elevada côo um sinal de fumaça nas alturas “Torres Gêmeas”...
Marion, isto é, John, cresceu acreditando nos velhos e famosos “valores americanos”. Bom rapaz. Após atuar em muita porcaria (não só do Oeste), o genial John Ford o escalou para viver “Ringo” da obra-prima Stagecoach. Corria o ano de 1939, e o filme viria a se inscrever na história do Cinema dos EUA como avanço decisivo na caminhada dos caubóis para a maturidade psicológica, como personagens broncos redimidos por incertezas e dúvidas. Com esse faroeste em ascético claro-escuro (cujo título aqui foi No tempo das diligências), Wayne despontou ao pleno estrelato.
Ford gostava dele e John passou também pelas mãos do experiente Hawks, em cerca de três filmes bem dirigidos. Um dos quais, o memorável Rio Bravo (no Brasil, Onde começa o inferno, 1959), western da melhor safra dos anos 50, em que o antigo jogador Marion provava que sabia atuar, quando a qualidade era exigida por um diretor inspirado.
Sua mais complexa composição, entretanto, de um personagem da pradaria, teceu sob as ordens de John Ford, mais uma vez. Em 1956, o cineasta-bardo das fronteiras da ambigüidade, resolveu levar para a tela uma excelente novela de Alan Le May, intitulada The Searchers/Rastros de Ódio, que tratava do amor contrariado, do preconceito de raça e de seres machucados pela guerra ou com os corações endurecidos por outros motivos. Ford confiou a Wayne o papel central de Etham Edwards, um ex-militar na caça obsessiva da sobrinha (raptada por guerreiros comanches), até porque Etham não suportava a idéia de que havia crescido e, certamente, teria sido obrigada a se tornar amante e mulher de índios (por ele odiados, como estupradores e assassinos da cunhada, o seu grande amor).

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