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domingo, 19 de junho de 2011

"O velho caubói deixa imagem de homem reacionário"

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, 26 de maio de 2007.
Escrito por Fernando Monteiro




O velho John Ford fez do argumento de Rastros de Ódio um filme que o irascível e revolucionário Jean-Luc Godard confessava ter assistido mais de 30 vezes (afirmando que sempre chorava, no final, quando Wayne desiste da idéia de matar a indiazinha, e lhe diz: “Vamos para casa, Debbie”).
A imagem de John Wayne ficou para sempre recortada por essa marcha à ré, e visualmente, pela porta da fazenda perdida na vasta planície do Oeste – a cena derradeira o mostra como um solitário voltando para o cenário da sua solidão. É quando se tornaria perfeitamente possível amar esse ator, num esforço também de marcha à ré para esquecer o reacionário que ele foi, na política. Infelizmente, não o é.
Wayne foi um “falcão” tão odioso que  seu herói no écran não redime a vida pessoal do astro que alinhou com as idéias de Nixon, McCarthy, Johnson e outros ainda piores. E não ficou só nisso o antigo “bom rapaz” dos campos de futebol daquela América hoje representada pelo orgulho e a estupidez bushianas: foi um dos mais entusiastas membros da Legião Americana, sinistra entidade engendradora da “Caça às bruxas” que vitimou tantos dos seus colegas da indústria cinematográfica destruindo carreiras (como a do roteirista Dalton Trumbo) e fazendo talentos (como o do diretor Elia Kazan) derraparem na prática horrível do dedurismo.
Se vivo fosse, Wayne estaria aprovando, hoje, o presidente mais toupeira que já passou por Washington. O cavalo de John estaria cumprimentando o cavalo do George – pois Marion Michael Morrison nasceu virado para a direita, no conservador útero materno. E, estariam, de resto, muito velhos, cavalo e cavaleiro – no deserto moral que está a pintar, sombriamente, de preto funério, a antiga Casa Branca.
John Wayne morreu de câncer no dia 11 de junho de 1979, alguns anos depois de ter produzido um filme (The Green berets/ Os boinas verdes, 1968) exclusivamente para louvar a aloprada ditadura militar do seu país no longíquo Vietnam. Ele pagou do próprio bolso a produção – e engoliu o fracasso de bilheteria, sem reclamar.
Do ator, ficou a recordação boa de alguns heróis de celulóide que ele soube encarnar com admirável vigor, enquanto somos levados quase a pensar “Já se foi tarde!” – quando emerge a face do reacionário de direita, de sob a aba do chapéu stetson, longe da porta de fazenda do caubói sumindo na poeira.

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