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sábado, 26 de março de 2011

Mais uma vez ela: Hilda Hilst.

Para finalizar este ciclo Hilda Hilst, deixo transcrito uma reportagem publicada no Jornal do Commercio em Pernambuco (1999). Hilda faleceu em 4 de fevereiro de 2004.

“38. tiro na têmpora. cabo de madrepérola. última e brilhosa visão estética. atenção: não tremer. os que têm Parkinson evitem esta última solução. eu não tenho Parkinson. tremo. mas raramente”. (Hilda Hilst em Estar Sendo Ter Sido).

Recife, 30 de Maio de 1999. Domingo.

Caderno C: A coluna Dia-a-dia


Hilda Hilst A escritora nascida em Jaú/SP, em 21 de abril de 1930, diz que escreveu a vida inteira uma obra que poucos leram e menos ainda compreenderam.

“O país tem preconceito para com a literatura”

Schneider Carpeggiani

Se tivesse de oferecer um conselho a um amigo, provavelmente a escritora Hilda Hilst iria optar por este: “Tendo um inimigo, deseje-lhe uma paixão”. Esse foi o conselho que a sua mãe passou a adolescência inteira lhe oferecendo, mas que ela nunca compreendia. “Não entendia o porquê de uma paixão ser algo ruim a esse ponto. Hoje em dia, sei a razão”, comentou Hilda em entrevista por telefone. Aos 69 anos, a escritora diz que a maior paixão da sua vida foi mesmo a literatura, por isso isolou-se do mundo, em uma granja em Campinas, para escrever uma obra de mais de 30 títulos, entre romance, poesia e teatro.
A sua maior paixão também lhe foi nociva. Escreveu a vida inteira uma obra que poucos leram e menos ainda compreenderam, até mesmo os grandes críticos literários do país cometeram erros, segundo ela, na hora de avaliar o seu legado. Por isso mesmo, muita gente ignora a sua importância para as letras do país. Já ganhou alguns dos mais importantes prêmios da literatura e foi traduzida para o francês, inglês, alemão e italiano, mas ainda assim seus livros são peças raras nas livrarias. As edições de dois deles. Estar Sendo Ter Sido (97) e Cascos e carícias (ambos pela Nankin) (98), podem ser encontradas, pela primeira vez, aqui no Recife. A Editora Massao Ohno está lançando Do amor, coletânea dos seus principais poemas sobre o tema.
Estar Sendo Ter Sido é um romance que mostra a personagem Vittorio no limiar da velhice, falando de receitas de drinques e suicídios e esperando a “Dama Escura”. Já Cascos e carícias é uma seleção de crônicas que ela escreveu para o Jornal Correio Popular, de Campinas, entre 92 e 95. Os temas desses textos falam sobre nudez masculina, velhice, receitas anti-tédio carnavalesco, a situação política do país e ela própria.
Apesar de estar prestes a lançar outro livro, Hilda Hilst não quer mais falar com a imprensa. Diz que não tem mais vontade e força de fazer marketing algum sobre a sua obra. Apesar disso, concordou em fazer alguns poucos comentários ao Jornal do Commercio.



“Durante um certo tempo, eu fiquei muito magoada por não ser lida, mas hoje em dia não estou mais. Escrevi tanto e quase ninguém leu. O problema é que estamos vivendo em um país cheio de preconceitos em relação à literatura, principalmente quando o assunto é poesia. A imprensa liga para mim e só quer saber da minha vida pessoal, mas tudo que vivi está nos meus livros”.
A declaração de que a sua vida está nos livros é confirmada pelos críticos Clara Silveira Machado e Edson Costa Duarte no posfácio de Estar Sendo Ter Sido. No romance A Obscena Senhora D, por exemplo, a personagem principal Hille, afirma que “A vida foi uma aventura obscena de tão lúcida”. Em O caderno Rosa de Lory Lamb (que faz parte da trilogia erótica da escritora), a afirmação de Oscar Wilde de que “Todos nós vivemos na sarjeta, mas alguns olham para as estrelas”, aparece acrescentada de uma fala da personagem Lory Lambi que diz “E quem não olha se fode”.

“A crítica costuma dizer que meus textos são desagradáveis, que o leitor fica deprimido quando lê o que escrevo. O problema é que ninguém entende o meu senso de humor. Tem gente que liga aqui para casa, diz que gosta dos meus livros e começa a chorar sem parar. Às vezes acho que sou de outro planeta, porque ninguém entende a minha linguagem”.
A linguagem pela qual Hilda mais parece ser compreendida é mesmo a dos animais. Em sua granja, a escritora mora com quase 60 cachorros: “Eu me identifico bem mais com os animais, acho que em outra vida fui uma cadela velha esfarrapada. Isso me faz lembrar uma afirmação do Vinícius que diz que o uísque é um animal engarrafado”.
O novo livro de Hilda, Do amor, está para ser lançado no próximo mês e ainda não dispõe de nenhuma distribuidora aqui no Recife. As livrarias interessadas em comprar os exemplares dessa obra podem ligar para (011) 280.4833. Mas por que fazer agora uma seleção de poemas sobre o amor? “A Paixão é o tema mais constante na minha obra, tanto na maneira como escrevo quanto nas histórias. Mais uma vez volto a dizer que as pessoas não entendem o que escrevo. A poesia, por exemplo, é basicamente ritmo e respiração, acho que ninguém me compreende porque respiro diferente do resto do mundo”.
A seleção presente em Do amor consta de poemas de toda a sua obra literária e foi reunida pela escritora e pelo crítico Edson Costa Duarte. Além de Do amor, Hilda está preparando a reedição de todos os seus livros só falta mesmo uma editora interessada. “Vou reeditar o que escrevi porque já completei a minha obra”.
Antes de se despedir, Hilda contou ainda uma historinha: “Eu era uma mulher que tinha uma vida muito intensa, vivi muito, mas sempre achava que estava longe do meu caminho. Quando li uma biografia do escritor Nikos Kazantzkis, que largou tudo para escrever, é que descobri a principal razão da minha vida. Quem não leu a minha obra que se foda”.

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