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quarta-feira, 23 de março de 2011

Hilda Hilst II



Iniciei mil vezes o diálogo. Não há jeito.
Tenho me fatigado tanto todos os dias
Vestindo, despindo e arrastando amor
Infância, sóis e sombras.

Vou dizer coisas terríveis à gente que passa.
Dizer que não é mais possível comunicar-me.
(Em todos os lugares o mundo se comprime.
Não há mais espaço para sorrir ou bocejar de tédio).
As casas estão cheias. As mulheres parindo
Sem cessar, os homens amando sem amar
Ah, triste amor desperdiçado
Desesperançado amor, serei eu só
A revelar o escuro das janelas eu só
Adivinhando a lágrima em pupilas azuis
Morrendo a cada instante, me perdendo?
Iniciei mil vezes o diálogo. Não há jeito
Preparo-me e aceito-me
Carne e pensamento desfeitos. Intentemos,
Meu pai, o poema desigual e torturado.

E abracemo-nos depois em silêncio. Em segredo.


(Hilda Hilst)

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